Diário de Retiro Pascoal: primeiros momentos |
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Escrito por Diac.Dário Neto |
Ter, 06 de Abril de 2010 20:33 |
“As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão”.
(Carlos Drummond de Andrade)
Quinta à noite, o fuzuê dera início na casa do rev. Cristiano para o esquenta de mais um gostoso retiro neste ano de 2010. A primeira pessoa com quem me deparo ao chegar no local de partida é Clairton, vindo de Salvador para conhecer nossa comunidade e, queira Deus, pois queremos nós, incorporar-se nela. Como ele, diversas irmãs e irmãos de outros locais do Brasil se farão presentes neste evento, o que dará a ele uma cara mais nacional.
Neste momento, embarco nesse diário de retiro pascoal com objetivo de registrar minha impressão desses momentos que prometem ser especiais, pois sei que, em comunhão com Cristo, os retirantes poderão compreender os últimos momentos do Mestre como homem, relembrados na Sexta-feira da Paixão, no Sábado de Aleluia e no glorioso Domingo de Páscoa. Friso apenas que, como diário, todo relato postado aqui restringe-se à minha impressão como gay, militante, professor, diácono, mestre em Literatura Brasileira, mas, antes de tudo, como pecador que, inconformado com esse mundo corrompido pela desumanidade e pelo capitalismo, busco compreender, na paixão de Cristo e em sua morte e ressurreição, a justificação de nossos pecados e a libertação de nossas culpas.
Não pretendo estabelecer, neste diário, verdades categóricas deste retiro, mas, como a sombra refletida na caverna, apenas impressões que se desenharão em minha alma. Como Cristo, segundo João, disse: Se o filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres. A quem não teve a oportunidade de aqui estar, a quem não teve a liberdade de aqui estar, a quem ainda está preso a culpa da moral burguesa heterossexista, que vocês possam ter alimentada, nessa experiência registrada em diário, a esperança de uma vida com Deus sem culpa e sem medo. Se pretendo alguma coisa com esse diário, é apenas, assim como me aprouve Deus, possibilitar às demais pessoas a chance de ver uma luz, mesmo que pequena, nessas trevas onde mergulham nossa sociedade. E aos que compartilharão comigo estes momentos de conscientização de nossa liberdade com Deus, possam encontrar nessas memórias a chance de reviver tais momentos, os quais, certamente, nos deixarão marcas profundas. Boa leitura!
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Última atualização em Qua, 07 de Abril de 2010 00:38 |
Escrito por Diac.Dário Neto |
Ter, 06 de Abril de 2010 21:00 |
“Aquele que nega liberdade para os outros é porque não a tem para si mesmo”
(Abraham Lincon)
Conforme registra João, após o episódio em que os judeus defrontam Jesus ao trazerem-lhe uma mulher adúltera e o modo brilhante como o mestre transformou-a em espelho para aqueles e aquelas que a queriam apedrejar, o Cristo inicia uma série de sermões fortes e contundentes para os que ainda permaneceram com ele no monte das Oliveiras. E brada Jesus em alto e bom som para aqueles que acreditavam nele: Se permaneceis na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e ela os fará homens livres. Diante da réplica desses judeus que reivindicavam a descendência de Abraão, o mestre afirma: Eu vos digo: aquele que comete pecado é escravo do pecado, porém se é o Filho que vos liberta, então sereis verdadeiramente livres. Nada tão certo e tão recorrente quantos estas palavras de Cristo repetidas nesses dois milênios de cristianismo, mas nada tão novo, tão chocante e impactante quanto esta mensagem do Cristo Jesus.
Com essa mensagem, deu-se a abertura pela manhã nesta sexta-feira de Paixão do terceiro retiro da ICM de São Paulo, mas que tem se tornado o retiro das ICM’s do Brasil. A equipe de louvor prestigiou-nos com a música Quero ser do grupo Mensagem Brasil, inundando musicalmente nossos corações, na certeza de que só o amor de Deus e o seu poder para curar nossas feridas, preencher o nosso viver e quebrar os grilhões que quer nos manter na culpa e no medo perpetrado pelas igrejas tradicionais de onde viemos, as quais nos envenenaram com falsas palavras de condenação. Poderia haver um passe de mágica ou uma música ou mesmo uma palavra para arrancar de nós esse medo da condenação eterna? Durante décadas, dedicamo-nos em nossas outras comunidades a uma vida de suposta santidade operada por falsos profetas, obrigando-nos a mutilações terríveis. E agora? Poderemos reconstruir nossas identidades mutiladas pelas falsas profecias meritocráticas? Podemos ser verdadeiramente livres, mas paradoxalmente teremos de lidar com essas mutilações na esperança de que Cristo, o verbo Divino, nos reconstitua em sua graça e em seu amor.
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Escrito por Diac.Dário Neto |
Ter, 06 de Abril de 2010 21:12 |
“O cara que catava papelão pediu
Um pingado quente, em maus lençóis, nem voz
Nem terno, nem tampouco ternura
À margem de toda rua, sem identificação, sei não
Um homem de pedra, de pó, de pé no chão
De pé na cova, sem vocação, sem convicção
À margem de toda candura.
Um cara, um papo, um supapo, um papelão.
Criador, criatura
Cria a dor, cria e atura”.
(Teatro Mágico – Cidadão de Papelão)
Poderia compreender tal ato estranho, ilógico e tão grotesco? Ele entrara no local em que ocorreria sua última páscoa com aqueles e aquelas que o acompanharam até aquele momento. Entrara sabendo que aquele era um dos últimos momentos com os seus, também sabendo que os seus não sabiam disso, mas, mesmo sabendo, preferiu se calar. A discussão calorosa entre os discípulos buscava instituir quem era o maior. Entrara sem nada dizer, sem tomar parte na discussão, apenas um gesto simples que jamais poderia condizer com sua posição. Com a bacia disposta e a toalha cingida, baixou a lavar os pés de cada um que com ele partilharia o pão. Estupefatos e sem reação, apenas deixaram que ele continuasse tamanho absurdo. Que cena grotesca: o Filho de Deus se dispõe a lavar a parte mais baixa do corpo humano: os pés... apenas Pedro quisera iniciar um close, mas fora logo gongado e teve que aceitar. O Rei dos reis dispõe-se a tal condição. Por haver um propósito nisso, qual a lição que Cristo quis nos deixar ao se submeter a tão estranho ato? Não fora compreendido naquele momento como ele mesma dissera. Mas será que após dois mil anos alguém conseguira compreendê-lo?
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Última atualização em Ter, 06 de Abril de 2010 22:28 |
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Escrito por Diac.Dário Neto |
Ter, 06 de Abril de 2010 21:21 |
“Páscoa é dizer sim ao amor e à vida; é investir na fraternidade, é lutar por um mundo melhor, é vivenciar a solidariedade”
(Stela Maris Blandino)
A mesa posta diante daquelas mulheres e homens estupefatos, sem nada a dizer por nada poderem dizer. Cristo, tomado de comoção, comunica-lhes o quanto aguardava aquele momento a compartilhar com eles antes dele ter de enfrentar a cruz. Pega o pão e, após dar graças ao Pai, comunica o que de fato ocorreria. De pão apenas, o corpo simbolizado como promessa de entrega, o vinho tornara-se a nova aliança em seu sangue a ser derramado na cruz.
À mesa, estavam não apenas os dozes como quis a tradição cristã. Sentados com o mestre também estavam todas e todos que não tinham onde comemorar a Páscoa. Homens párias, mulheres renegadas, órfãos, viúvas, pecadores, publicanos não comprendiam aquelas palavras do Mestre. Sem questionarem, tomaram de sua mão o pão e o vinho e comeram. Comeram sem o medo de saber que aquela era a última hora do Cristo com eles. Sem o medo do desamparo que logo os afligiriam. Apenas sentiam algo de muito especial que, talvez, nunca sentiram antes.
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